04/02/2009

O tempo de ponta-cabeça

Diário do Nordeste / Caderno 3
 
O homem criou várias representações do tempo. Para os gregos, o tempo é filho do deus Cronos, filho do céu e da terra. No mundo latino, assume a aparência de um velho descarnado. Em ambos, uma constatação: o tempo vincula-se à morte e à destruição. Percorrer o tempo, portanto, é algo de inexorável, do qual não se pode fugir - sempre se retorna, gerando eterna repetição. A ampulheta marca a fugacidade da existência dos seres e das coisas.

A narrativa, seja no cinema ou na literatura, mantém um vínculo com a dimensão do tempo. Um conceito que não pode ser definido com facilidade, nem aceito de forma consensual. Intuitivamente julgamos saber o que é o tempo, mas temos dificuldades de expressar esse saber. No entanto, David Fincher (diretor já notabilizado por ´O Clube da Luta´) coloca no excelente “O Curioso Caso de Benjamin Button” uma nova variável sobre o tempo. Enigmático, com muitas leituras, o filme tem uma única mensagem: o tempo, para o bem ou para o mal, age de forma avassaladora sobre o homem.

Breve século XX

Baseado num conto de F. Scott Fitzgerald , o filme trata o tempo de forma inusitada. Talvez, até fabulosa. O protagonista Benjamin Button nasce velho, ao final da Primeira Guerra Mundial. A mãe morre durante o parto. E o pai, ao perceber o horror do “bebê velho”, o abandona num asilo para idosos. Entre velhos, começa sua longa aventura - ou breve aventura. A morte é uma constante na vida de Button. Como também a vida. O binômio vida e morte está sempre presente na narrativa.

Button, interpretado por Brad Pitt, vai rejuvenescendo à medida que o tempo passa. Nesse insólito percurso reverso, vivencia várias experiências marcantes do breve século XX. Como a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. O amor também marca a vida de Button. Primeiro, com uma mulher casada cujo maior sonho, quando criança, era atravessar o canal da Mancha. Aos 68 anos, ela consegue realizar o antigo desejo. Outra “façanha” do tempo.

Enquanto o tempo corre, Button reencontra Dayse, interpretada por Cate Blanchett. Quando se viram pela primeira vez, ele não passava de um velho decrépito. Em oposição total a ela, uma bela menina. Inevitavelmente, o romance entre ambos é marcado por encontros e desencontros.

A narrativa tem como base o diário de Dayse, já em seu leito de morte. Conforme a história se desenrola, uma tragédia anunciada ganha destaque: o furacão Katrina, que devastou, principalmente, Nova Orleans. Outra metáfora sobre o binômio vida/morte, independentemente do tempo cronológico. Como a Segunda Guerra ceifou muitas vidas ainda jovens, a força do Katrina também causou grande devastação no sul dos Estados Unidos.

Tempo do amor

Quando adultos, Button e Dayse vivem um grande amor, embalados pelos ritmos dos anos 60, principalmente a música dos Beatles. Mais uma vez, o pêndulo do tempo estraga a festa. Enquanto envelhece, Dayse acompanha o rejuvenescimento de Button. Aos 40, os dois vivem plenamente. Depois, o tempo causa um furacão na vida de ambos. Coloca o romance de ponta-cabeça. A cada passagem de ano, Button e Dayse mexem com o espectador. Lembram sempre o perverso ciclo do tempo. Mas de forma peculiar, numa narrativa repleta de reviravoltas. O inusitado, o fabuloso, marcas da juventude e da velhice, da vida e da morte são componentes de uma trama rica, repleta de peripécias. Ora trágicas, ora cômicas.

O tempo linear e o tempo cíclico do mito e da natureza se entrecruzam. Nenhuma linguagem, seja ela científica, musical, fotográfica, poética, jornalística, cinematográfica, tem o poder de reproduzir o real em toda a sua complexidade. Talvez, apenas interprete o real em um determinado contexto. O curioso em “Benjamin Button” é a dimensão do tempo em nossas vidas. Seja quando crianças, jovens ou velhos. Mesmo quando as coisas são colocadas às avessas. Benjamin Button inverte a lógica. Um personagem velho que percorre o caminho inverso, tornando-se criança. Mas o tempo, independentemente da quadra histórica, tem a sua lógica. Lógica que se funde com a nossa percepção e perspectiva da vida e da morte. O instante enquanto realidade intangível, onde o acaso se cruza, se interliga e se tensiona. Como no “Curioso Caso de Benjamin Button”.

JOSÉ ANDERSON SANDES
Editor