Depois do duro golpe sofrido pelos servidores federais no ano passado
com a aprovação do Funpresp, o regime de previdência complementar ao
qual está atrelado todo o servidor da administração pública, agora a
ameaça de fundos semelhante segue para os estados. A mensagem nº 4760,
encaminhada na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará no último dia
22 de fevereiro, tem causado indignação aos servidores públicos
estaduais do Ceará.
Na manhã de ontem, servidores federais, estaduais e municipais e
sociedade participaram do Seminário sobre a Solidariedade Social e a
Contributividade como alicerces da Previdência Social dos Servidores
Públicos Estaduais, realizado no Complexo das Comissões da Assembleia
Legislativa do Ceará, organizado pelo Fórum Unificado das Associações e
Sindicatos de Servidores Públicos Estaduais do Ceará (Fuaspec), com o
apoio da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e do
Sintaf. O encontro insuflou inúmeros debates e questionamentos,
demonstrando um claro descontentamento por parte de todos os presentes
em relação a perspectiva do fim das aposentadorias do servidor público
nas várias esferas, tendo em visto a visão de que será desencadeado
também tal processo nos demais estados e municípios .
Como debatedores, Celso Malhani, vice-presidente da União Gaúcha em
Defesa da Previdência Social e Pública; Manuel Isidro, presidente da
Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e Marcelo
Lettieri, Auditor-Fiscal da Receita Federal e professor da Universidade
Federal do Ceará.
Discutir a previdência é um direito do servidor. A Constituição Federal
diz que o regime é facultativo aos estados, podendo haver negociação.
Acontece que no Ceará, o projeto de lei deu entrada na Assembleia sem a
avaliação de qualquer trabalhador estadual. De acordo com o texto, o
novo modelo de previdência é destinado àqueles servidores civis que
forem efetivados a partir de 1º de janeiro de 2014 e que tenham
remuneração acima do teto do Regime Geral da Previdência Social (R$
4.157,05) e para os que tenham interesse em ampliar a renda mensal após a
aposentadoria, acima do teto nacional do Regime Geral de Previdência
Social (RGPS).
Também pelo novo modelo, os três novos fundos de natureza
previdenciária terão orçamentos, finanças e contabilidade separados, não
existindo qualquer espécie de solidariedade entre eles. As contas do
Previd, do Funaprev e do Prevmilitar, inclusive as bancárias, serão
distintas entre si e separadas da conta do tesouro estadual, sendo os
seus recursos financeiros destinados, exclusivamente, para o pagamento
dos benefícios previdenciários dos respectivos beneficiários a ele
vinculados.
O modelo desagrada aos servidores, que não se mostraram calados diante
do encaminhamento. Todos desejam um modelo justo para garantia do seu
futuro, estando amparados pelos seus direitos. Os servidores querem ser
ouvidos, querem opinar sobre o modelo que irá recair sobre suas
carreiras. Previdência não é para dar lucro, é para garantir uma
aposentadoria justa. Atualmente há cerca de 140 mil servidores estaduais
no Ceará que contribuem sobre o total de seus rendimentos dentro do
Regime Único de Previdência na certeza de que receberão futuramente sua
aposentação.
Marcelo Lettieri, Auditor-Fiscal da Receita Federal e professor da
Universidade Federal do Ceará, que abriu os debates na manhã desta
terça-feira, reforça: “Temos que nos organizar como entidades sindicais e
fazer a maior defesa da previdência pública no molde em que ela é hoje.
Uma outra previdência é possível! Precisamos nos livrar dos mitos
plantados pela imprensa ao longo dos últimos dez anos de que a
previdência pública do servidor público é um privilégio, quando na
verdade não é. Ela é um direito do trabalhador”.
Na luta contra a aprovação de matérias semelhantes em todo território
nacional está a Fenafisco. “Essa é uma ampla discussão. A Fenafisco é
contrária. Sabemos que o risco é para todos, diferentemente do que o
texto diz que apenas os novos sentirão seu efeito. Nossa luta é pelo
fortalecimento do regime próprio de previdência, com a garantia do
Governo, modelo hoje empregado no Rio Grande do Sul, que a Federação
espera ver empregado nos outros estados”, enfatiza Manoel Isisdro,
presidente da Fenafisco.
É preciso garantir tranquilidade ao futuro daquele que dedica sua vida
ao serviço público - e não a preocupação, que a proposta apresentada
pelo governo gera.Celso Malhani, vice-presidente da União Gaúcha em
Defesa da Previdência Social e Pública e Auditor Fiscal do estado do Rio
Grande do Sul considera que o projeto é para eximir o Estado dos custos
previdenciários dos seus servidores. “É possível uma nova proposta, que
equalize os custos, eximindo a sociedade de fazer esse desembolso ao
longo dos anos, garantindo aposentadoria digna aos servidores.”
Prejuízo à Sociedade
Se aprovada, a proposta de Lei terá efeitos sobre a sociedade. Sem a
garantia que o fundo se manterá, todos pagarão uma conta dupla no final.
Uma das projeções negativas do fim da previdência pública é desestímulo
ao ingresso de novos trabalhadores no serviço público, que herdarão a
grande possibilidade de não receberem o que já contribuído, buscando
consequentemente uma recolocação no mercado tendo que arcar com sua
aposentadoria com outra fonte de renda.
Já a população corre o risco de receber um serviço de péssima
qualidade, em virtude da má remuneração do servidor. A missão do
servidor público é servir a sociedade, se não há reconhecimento, não há
estímulo. Com o risco de não haver mais interesse por parte dos futuros
profissionais, de ingressar na carreira pública, os serviços serão
terceirizados, sem garantia de comprometimento. Sem falar na
possibilidade de aumento da corrupção motivada pela exploração e os
baixos salários, sem os direitos garantidos.
Mito do déficit
Segundo auditor federal Lettieri, o anúncio do déficit da previdência
esconde uma farsa na contabilidade do Estado. “No caso dos servidores da
União, foi demonstrado que se você separar civis e militares e colocar a
contribuição patronal por parte da União, você não terá déficit nenhum
por parte do servidor federal. Não tenho dúvidas que no serviço estadual
seja igual”, pondera. “Não há quebra da previdência pública, mas sim de
uma contabilidade disfarçada para vender um modelo que pareça
interessante.”
A pirâmide demográfica
O modelo “ideal” de previdência complementar que se oferece hoje é
falso. Ele não se sustentará por muito tempo, formando um efeito
cascata. Ao contrário do que se prega, de que a proposta não atingirá
quem já está no serviço público, todos sentirão seu efeito,
principalmente aqueles que estão para se aposentar. Se houver a mudança,
haverá menos contribuição, logo não haverá caixa para pagar as
aposentadorias vigentes. “A situação é preocupante. E eu que estou na
ativa contribuo para quem está aposentado, e se esse regime entrar, quem
vai contribuir para garantir a minha aposentadoria?”, exemplifica
Manoel Isidro.
“Quando olhamos para trás, verificamos que nossa pirâmide demográfica
não é igual há 20 anos. Há muito mais jovens trabalhando do que
servidores se aposentando, sem contar que o número nascimentos é menor, o
que garante que até 2070 não teremos problemas com a previdência”
explica Lettieri.
O futuro incerto
Vamos olhar para daqui a 35 anos. Quem garante ao trabalhador que vai
colaborar durante esse período que o dinheiro estará lá para garantir
sua aposentadoria tranquila? São muitos os exemplos de fundos de
trabalhadores que faliram devido a ingerência. E como fica a vida desse
trabalhador no momento em que ele mais precisa?
Celso Malhani dá um exemplo do que pode vir a acontecer: “Veja na
Europa e nos Estados Unidos. Depois que o fundo faliu, muitos
aposentados se viram obrigados a retornar ao mercado de trabalho, pois
não tinham como se manter. Alguns perderam tudo até conseguir
recolocação profissional, e moram dentro de carros, nos estacionamentos
dos locais de trabalho”.
Uma outra previdência é possível
O Fuaspec entende que a solução é garantir o pagamento das
aposentadorias e pôr agestão do recurso sob o domínio público do Estado e
dos servidores. Acreditamos que é plenamente possível você criar um
fundo previdenciário público, próprio, capitalizado, sob a gestão
integral do Estado compartilhada com os servidores, onde o Estado faça
seus depósitos, os servidores também, e lá, sim, seja fortalecida uma
reserva para no futuro financiar o pagamento das aposentadorias.
É possível construir fundos públicos com regime de capitalização e
segregação de massa feita através de previdência própria. No Brasil
existem no mínimo 20 estados com estes fundos devidamente estabelecidos.
Mobilização
Diante da repercussão da proposta, está programada para a tarde desta quinta-feira (7), a partir das 14 horas, uma vigília na Assembleia Legislativa,
na Sala das Comissões ocasião em que o Secretário de Planejamento do
Estado, Eduardo Diogo, vai àquela casa, explicar a mensagem nº 7460, que
institui o regime de Previdência complementar do estado do Ceará.
Fonte: Sintaf-CE